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RESOLUÇÃO DO CNJ
Professora analisa o
tratamento penal da mulher
indígena
A
diretora da Escola Superior de Gestão
Pública, Política, Jurídica e Segurança
do Centro Universitário Internacional
Uninter, Débora Veneral, afirma que a Resolu-
ção 287/2019 do Conselho Nacional de Justiça
trouxe novas diretrizes e procedimentos quanto
ao tratamento das pessoas indígenas acusadas,
rés, condenadas ou privadas de liberdade, a fim
de melhor assegurar os direitos dessa popula-
ção no âmbito criminal do Poder Judiciário. Essa
proteção aos povos indígenas está em conformi-
dade com a Convenção 169 da OIT (Organização
Internacional do Trabalho), que em seu art. 10
afirma a necessidade de observância das carac-
terísticas econômicas, sociais e culturais dos po-
vos indígenas quando da aplicação de sanções
penais, bem como a preferência a outros tipos
de punição que não o encarceramento.
De acordo com ela, o CNJ editou, inclusive, uma
cartilha com orientações a tribunais e magistrados para cumprimento da Resolução, em
que se deu especial atenção à mulher indígena. Como regra, a aplicação de medidas pe-
nais contra mulheres deve privilegiar medidas não privativas de liberdade. Ressalte-se
que as mulheres indígenas encarceradas representam apenas 1% (um por cento) da po-
pulação carcerária feminina presa no Brasil de acordo com dados do Infopen (2018, 2ª
ed.). Segundo o próprio CNJ, os casos envolvendo mulheres indígenas exigem da auto-
ridade judicial o reconhecimento de que elas sofrem múltiplas formas de discriminação
que ocasionam uma maior dificuldade de ter acesso a direitos, bem como para exercer
plenamente sua defesa.
Para Débora Veneral, ainda, são as mulheres as principais cuidadoras dos filhos, de idosos
e de pessoas com deficiência, e seu encarceramento afeta, portanto, toda a comunidade
indígena. Daí porque se recomenda que a prisão domiciliar pode ser aplicada para a mu-
lher gestante, mãe ou responsável por crianças ou adultos com deficiência, na hipótese
de decretação de prisão preventiva da mulher indígena. A comunidade indígena tem des-
tacado papel, portanto, na aplicação da sanção penal. Até mesmo o acompanhamento da
execução das mulheres indígenas beneficiadas pela progressão de regime será realizado
em conjunto com a comunidade.
Além dessas medidas, como explica Débora Veneral, a resolução garante que o tratamen-
to previsto será dado a qualquer pessoa que se autodeclare como indígena, em qualquer
fase do processo criminal ou na audiência de custódia. Além disso, em caso de autodecla-
ração como indígena, a autoridade judicial deverá indagar acerca da etnia, da língua fala-
da e do grau de conhecimento da língua portuguesa, e as cópias dos autos do processo
deverão ser encaminhadas à regional da Fundação Nacional do Índio - Funai mais próxima
em até 48 (quarenta e oito) horas. Ainda, a identificação da pessoa como indígena, bem
como informações acerca de sua etnia e língua por ela falada, deverão constar no registro
de todos os atos processuais. Inclusive, em caso de necessidade, é garantida a presença
de intérprete, preferencialmente membro da própria comunidade indígena.
Débora Veneral ressalta outra medida de equidade e respeito à cultura, às crenças, aos
costumes e às tradições indígenas está na possibilidade de realização de perícia antropo-
lógica, que fornecerá subsídios para o estabelecimento da responsabilidade do indígena.
Nela, se informará a qualificação, a etnia e a língua falada pela pessoa acusada, as suas
circunstâncias pessoais, culturais, sociais e econômicas, a descrição dos usos, dos costu-
mes e das tradições da comunidade indígena a qual ela se vincula e o entendimento da
comunidade indígena em relação à conduta típica imputada, bem como os mecanismos
próprios de julgamento e punição adotados para seus membros. Assim, o laudo antropo-
lógico deve conter a correspondência entre a conduta praticada e os costumes, crenças
e tradições da comunidade indígena, de tal forma que a responsabilização de pessoas
indígenas deverá considerar os mecanismos próprios da comunidade indígena a que per-
tença a pessoa acusada, mediante consulta prévia.
Finalizando, Débora Veneral destaca que a Resolução CNJ 287/2019, portanto, reconhe-
ceu a importância de um tratamento diferenciado para os indígenas, em razão de suas
especificidades culturais, com vistas a garantir igualdade dos povos indígenas no acesso
à Justiça, bem como, teve o cuidado de dar o devido destaque ao papel das mulheres in-
dígenas em suas comunidades para a continuidade e sobrevivência de seus povos.