Revista Ações Legais - page 38-39

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Testamento e a COVID-19
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as últimas semanas, apandemiadaCOVID-19de-
mandou respostas do Direito nas mais diversas
áreas. Perguntas sobre revisãode contratos, pa-
gamento de empregados, tributação, entre outros as-
suntos, estavam e estão na ordem do dia, desafiando a
busca por soluções criativas e adequadas, que atentem
para o contexto socioeconômico criado pela crise.
Simultaneamente, a pandemia ressaltou a importância
de uma ferramenta jurídica consolidada, mas pouco di-
fundida no Brasil: o testamento. Conforme dados recentes da Gazeta do Povo¹, os cartórios
do Paraná registraramum crescimento de 70% na procura por testamentos, certamente em
razão de a doença ser mais agressiva na população idosa, considerada grupo de risco.
Mas o anseio de planejar a sucessão hereditária não é de hoje. Aos poucos, a sociedade
tem compreendido a importância de antecipar e organizar os efeitos patrimoniais gera-
dos pelo falecimento, pela ciência de que a sucessão legítima possui amarras que um pla-
nejamento sucessório pode resolver. Afinal, poucos procedimentos são tão burocráticos,
onerosos e desgastantes quanto os decorrentes do falecimento.
A busca por um planejamento sucessório envolve aspectos tão distintos como a procura
pela redução da carga tributária, por fazer efetiva a vontade do titular do patrimônio e,
principalmente, por reduzir a possibilidade de brigas familiares no futuro. Não à toa, em-
presas familiares estão crescentemente em busca de uma arquitetura sucessória que per-
mita promover a continuidade dos negócios de maneira mais efetiva, encontrando meios
jurídicos de, por exemplo, deixar o controle empresarial para determinado sucessor ou
beneficiar algum terceiro.
O planejamento sucessório é avaliado de acordo com a estrutura familiar e patrimonial
de determinada pessoa, podendo contar com uma conjugação de alternativas jurídicas,
como a constituição de holdings, a doação em vida, a implementação de usufruto e, não
menos importante, a elaboração de um testamento.
O testamento pode conter disposições sobre questões existenciais (doação de órgãos,
reconhecimento de filho etc.) e patrimoniais, sendo ato praticável por pessoas acima
de 16 anos que tenham pleno discernimento. É revogável, parcial ou totalmente, a qual-
quer tempo pelo seu autor.
Ainda que a legislação preveja mais de uma modalidade de testamento, comumente op-
ta-se pelo testamento público.
O testamento público é declarado e lavrado perante um tabelião. Para que tenha valida-
de, é lido ao testador e a duas testemunhas – que não precisam ser de conhecimento do
testador – sendo assinado por todos. O testador pode escolher qualquer cartório de no-
tas, ainda que não seja o local de seu domicílio.
Modalidade menos frequente, por conferir menos segurança jurídica, é o testamento cer-
rado, escrito pelo próprio testador, ou por quem o testador escolher, em instrumento
particular. O conteúdo do documento é, em geral, apenas por ele conhecido. O testador
apresenta o testamento ao notário, para que emita um auto de aprovação, documento
que atesta que recebeu o testamento lacrado. Logo, esse é o testamento ideal para quem
deseja manter sigilo sobre as disposições.
Tem-se, ainda, o testamento particular, que é elaborado pelo próprio testador e validado
pela assinatura de três testemunhas. Após a morte do testador, o documento é apresen-
tado perante o Poder Judiciário.
Essa modalidade também é pouco utilizada no Brasil, mas pode ganhar relevância em
momentos de crise como o da pandemia da COVID-19, porque a legislação prevê que em
circunstâncias excepcionais o testador pode elaborar de próprio punho um testamento,
sem a presença de testemunhas. Essa facilitação é relevante, porque não pode ser teste-
munha quem for nomeado herdeiro ou legatário, o que, em tempos de restrição do con-
vívio social, poderia dificultar demasiadamente o ato de testar.
Essa modalidade excepcional do testamento particular é comumente conhecida por tes-
tamento hológrafo, e requer confirmação posterior do documento, após o transcurso da
circunstância excepcional.
Uma categoria importante para que se compreenda o grau de liberdade conferido ao
testador é a noção de herdeiro necessário, que, segundo a lei, são os descendentes, os
ascendentes e o cônjuge.
O testador que não tem herdeiros necessários pode dispor livremente da totalidade de
seu patrimônio. Isso significa que lhe é permitido, por exemplo, testar a integralidade de
seus bens a um terceiro.
Já o testador que possui um ou mais herdeiros necessários pode dispor de apenas 50% de
seu patrimônio, pois os herdeiros necessários têm direito ao restante, parcela reservada
chamada de legítima.
Ainda que, pela letra da lei, sejam considerados herdeiros necessários apenas os ascen-
1...,18-19,20-21,22-23,24-25,26-27,28-29,30-31,32-33,34-35,36-37 40-41,42-43,44-45,46-47,48-49,50-51,52-53,54-55,56-57,58-59,...118
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