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detenção para quem desobedecer a ordem legal de funcionário público .
Aqui, vale mencionar que o delito de infração de medida sanitária preventiva é crime
formal, isto é, não exige a produção do resultado; de perigo abstrato, que não exige a
lesão de um bem jurídico ou a colocação deste bem em risco real e concreto; e de perigo
comum, devendo atingir um número indeterminado de pessoas que sejam expostas a
perigo de dano.
Mas não é só. Muito embora não conste na portaria em comento, dependendo da
situação, pode-se ainda cogitar na tipificação dos delitos de perigo de contágio de
moléstia grave e perigo para a vida ou saúde de outrem, previstos nos artigos 131
(Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado,
ato capaz de produzir o contágio: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa) e 132
(Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente: Pena - detenção, de
três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave), e ainda no crime de
causar epidemia, disposto no artigo 267 (Causar epidemia, mediante a propagação de
germes patogênicos: Pena - reclusão, de dez a quinze anos), todos do Código Penal.
Destaca-se que o delito de causar epidemia é crime: material, na medida em que só
se consuma com a produção do resultado naturalístico; de perigo concreto, que se
consuma com a mera ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado; e de perigo comum,
assim como o delito de infração de medida sanitária preventiva.
O que não se pode esquecer é que, apesar de ser esperado que uma pessoa não tenha
intenção de, dolosamente, transmitir uma doença para outra, o dolo no Direito Penal
também está alicerçado àquele que assume o risco.
Até o presente momento, não há notícias do cometimento de nenhum crime dessas
naturezas por descumprimento de medidas ao combate do coronavírus. Não se sabe
se é por se tratar de fatos ainda muito recentes, ou se porque realmente as pessoas
se conscientizaram.
Por Maria Carolina de Moraes Ferreira,
especialista em Direito Penal pela
Universidade de Coimbra/IBCCRIM,
especialista em Direito Penal Econômico
pela PUC-SP e associada ao Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais
(IBCCRIM)
O coronavírus e o Direito
Penal Brasileiro
(
I
n)Felizmente só se tem falado sobre coronaví-
rus e, como se viu, o caos tomou conta do país
nos últimos dias, com a instituição dos famo-
sos “isolamento” e “quarentena”, culminando com
comércio paralisado, milhares de pessoas trabalhan-
do na modalidade “home office”, dentre outras me-
didas tomadas pelo governo.
A bem da verdade, em fevereiro deste ano foi edita-
da a Lei n. 13.979, que trata sobre as medidas para
enfrentamento da emergência de saúde pública de-
corrente do surto de coronavírus. Contudo, somente
em 11 de março, diante da evolução da epidemia, foi publicada a Portaria n. 356, que trata
sobre a regulamentação e operacionalização do disposto na referida Lei n. 13.979.
A orientação dos governantes é de que a população fique em casa, pelo menos nos próxi-
mos dias, a fim de evitar o contágio e disseminação do vírus, para que não aconteça aqui
o que tem ocorrido em países da Europa que, infelizmente, não conseguiram conter a
propagação em massa da doença.
Diante desse cenário, questiona-se: quem descumprir tais medidas comete algum crime
previsto no Código Penal Brasileiro?
Inicialmente, vale destacar que os Ministros da Saúde e da Justiça e Segurança Pública
editaram no último dia 17 de março, a Portaria Interministerial n. 5, disciplinando medidas
compulsórias para enfrentamento da pandemia do coronavírus, bem como sobre a res-
ponsabilidade pelo seu descumprimento.
A própria Portaria prevê a responsabilidade civil, administrativa e penal dos agentes que
infringirem o disposto no artigo 3º, da Lei n. 13.979. No que tange à seara penal, o des-
cumpridor poderá ser enquadrado nos delitos de infração de medida sanitária preventiva
e desobediência, previstos, respectivamente, nos artigos 268 e 330, do Código Penal,
que preveem, respectivamente, multa ou detenção para quem infringir determinação do
poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa, e