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ARTIGO
Reserva de vagas para
trabalhadores deficientes
precisa de revisão legal
*Paulo Sergio João
N
ão se nega que desde a vigência da Lei
8.213/1991, impondo às empresas, por meio
do artigo 93, a obrigatoriedade de cumpri-
mento de cotas de trabalhadores deficientes, hou-
ve um avanço cultural e social. As empresas, com-
pelidas pela lei, cuidaram da acessibilidade no local
de trabalho, além de promover, sistematicamente,
a contratação de trabalhadores deficientes para o
exercício das mais diversas funções.
Entretanto, a velocidade imposta pelo preenchimen-
to de cotas e a baixa oferta de mão de obra geraram
dificuldade natural para as empresas, expostas que foram a autuações do Ministério do Trabalho e
Emprego, além das exigências paralelas que faz o Ministério Público do Trabalho.
Para o Ministério do Trabalho as autuações são provenientes de ausência de cumprimento da cota
após convocação pela fiscalização para comparecimentos sistemáticos em audiências perante aque-
le órgão cujos resultados são previsíveis. Não há, na grande maioria dos casos, a menor condição de
satisfação da obrigação legal.
O cumprimento da exigência do preenchimento de cotas induz tanto à fiscalização do Ministério
do Trabalho e Emprego como na autuação do Ministério Público do Trabalho. Enquanto o órgão
fiscalizatório (Ministério do Trabalho) impõe multa administrativa pelo descumprimento da cota, o
Ministério Público do Trabalho atua no sentido de defender a efetivação do o direito ao emprego
assegurado aos trabalhadores deficientes.
Perante o Ministério Público do Trabalho, a instauração de procedimento investigatório para que a
empresa forneça documentos e dê satisfações das razões pelas quais não atende ao cumprimento
da cota de trabalhadores deficientes pode culminar em dois resultados: (i) com a celebração de um
TAC (Termo de Ajuste e Conduta) pelo qual o representante da empresa assume que, em determi-
nado período, cumprirá a obrigação legal, com multa extremamente elevada em caso de inadimple-
mento do ajustado e, como título extrajudicial, autoriza o Parquet a executar diretamente a empre-
sa; ou (ii) ação civil pública que além de exigir o cumprimento da lei de cotas pode impor às empresas
indenização por dano moral coletivo.
Entretanto, entre a obrigação legal das empresas e a determinação da autoridade há um verdadeiro
vazio, um vácuo a ser preenchido pelo próprio Estado que se omite diante da constatação de que se
trata de obrigação quase impossível e da qual nem ele próprio tem condições de atender. Quais con-
dições oferecem as autoridades públicas para a contratação? Dispõe o MTE ou o MPT de trabalha-
dores deficientes habilitados para o mercado de trabalho? O que faz o Estado para proporcionar aos
trabalhadores deficientes a possibilidade de inserção no mercado de trabalho? Ou, ainda, de quais
trabalhadores deficientes trata a lei? Qualificados total ou parcial profissionalmente?
A Lei 8.213/1991, no artigo 92 traz a referência ao modelo de trabalhador deficiente afirmando que
“Concluído o processo de habilitação ou reabilitação social e profissional, a Previdência Social emi-
tirá certificado individual, indicando as atividades que poderão ser exercidas pelo beneficiário, nada
impedindo que este exerça outra atividade para a qual se capacitar”. E, ainda, o artigo 93 refere-se a
“[...]beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas”. Deste modo, se a
lei transfere para a Previdência Social a liberação de contratação de trabalhadores beneficiários ha-
bilitados ou reabilitados, não caberia aos empregadores obrigação de contratar de forma indiscrimi-
nada pessoas deficientes. A responsabilidade de criação de banco de trabalhadores com deficiência
está com a Previdência Social com a indicação dos beneficiários habilitados para o trabalho.
Neste sentido, em decisão recente, os ministros da 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, no
Processo RR-505-97.2012.5.19.0007, em voto da lavra do ministro José Roberto Freire Pimenta pare-
cem ter dado o tom que deve ser seguido quando se trata de preenchimento de cota de deficientes
e anulou auto de infração, afirmando que a reserva de vagas deve destinar-se a “[...]trabalhadores
reabilitados ou portadores de deficiência que possuam alguma habilidade para o trabalho, ou seja,
cuja deficiência permita o exercício de uma atividade laboral”.
Trata-se, no nosso sentir de, uma interpretação que pode pacificar a relação entre os órgãos de fisca-
lização, aqui incluído oMinistério Público do Trabalho na forma de exigir das empresas o cumprimen-
to de cotas de trabalhadores deficientes cuja reserva estaria destinada especialmente para aquele
que apresentasse alguma habilidade profissional.
Há uma constatação das dificuldades do atendimento da obrigação legal de preenchimento de cotas e te-
mos dúvidas quanto à solução do problema pelo apenamento pecuniário a que se submetemas empresas,
agravandomuitas vezes as condições de investimento de capital na busca de solução desse problema.
A previsão da Lei 8.213/1991, no seu artigo 93, de que as empresas estão obrigadas ao cumprimento
de cotas com “[...]beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas” pare-
ce já estar merecendo uma revisão criteriosa do legislador a fim de que, ajustando-se à realidade e à
experiência de 24 anos de vigência, atenda às condições do mercado de trabalho.
*Paulo Sergio João é advogado, especializado
em Direito do Trabalho e professor da PUC-SP
e FGV.